ANCIÃOS TRANSMITEM CULTURA INDÍGENA
- SHALOM
- 25 de mar. de 2020
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Atualizado: 10 de abr. de 2020

Na maior parte das sociedades indígenas a transmissão dos elementos culturais como a mitologia, os rituais e os costumes é feita oralmente e são os idosos que desempenham essa função fundamental para a sobrevivência dos povos.
Há exemplos da importância do idoso para a preservação das culturas em aldeias da Amazônia e em Mato Grosso do Sul, onde o cacique Kaiová, Paulito Aquino, que diz ter mais de 100 anos, é a única pessoa a realizar os rituais de perfuração dos lábios. Entre os Baniwa, do Alto Rio Negro, os idosos são os responsáveis por contar as histórias da criação do mundo durante os rituais de passagem de idade. Há relatos de velhos sábios com conhecimentos e poderes sobrenaturais que reuniam uma legião de seguidores. A importância da figura desses sábios está também na organização e reorganização social fundamental para a sobrevivência do grupo.
A transmissão oral da cultura acontece em nativas de todos os continentes. No Brasil, existem cerca de 220 etnias indígenas e, em grande parte delas, a figura do ancião é valorizada como um arquivo vivo. Os saberes tradicionais englobam várias aspectos da vida nas aldeias, desde a medicina, com as curas através do conhecimentos dos remédios feitos de ervas e dos rituais xamânicos, até os cantos e as danças para os dias de festas.
A valorização das tradições passou a ser mais freqüente, principalmente a partir das organizações políticas e sociais que aconteceram nas últimas décadas para exigir o respeito aos direitos indígenas e a demarcação das terras. Esses processos utilizam os velhos como principais fontes para o resgate cultural das tradições que foram abandonadas e perdidas com o contato com as áreas urbanas.
A pesquisadora Nádia Farage, do Departamento de Antropologia Social da Unicamp, diz que não dá para afirmar que todos os povos indígenas têm a mesma relação com os idosos "mas, via de regra, há essa tendência de maior valorização dos mais velhos que são os depositários da memória dos povos", afirma ela, que pesquisa a etnia Wapixana de Roraima. Segundo Farage, lá os velhos são vistos como uma marca do passado no presente, como uma dobradiça do tempo. "A realidade para eles é só o presente e o passado só existe na linguagem dos velhos", diz Nádia.
O antropólogo Robin Wright, também da Unicamp, diz que há algumas sociedades em que os velhos não tem tanta importância. "Isso acontece com os povos nômades, onde os velhos não conseguem acompanhar e atrapalham. Não há lugar para eles nessas sociedades. Mas nas sociedades mais fixas, onde existe a agricultura, os idosos têm um lugar privilegiado", diz Wright

Profetas Baniwa Na tradicional cultura Baniwa os idosos são extremamente importantes, principalmente pelos conhecimentos espirituais desenvolvidos durante toda a vida. Os xamãs mais poderosos só atingem os altos níveis de poderes sobrenaturais, como o dom da cura, da clarividência e das profecias, depois de uma longa vida de experiências. Os Baniwa vivem na região do Alto Rio Negro na Amazônia. No Brasil, são 5.100 pessoas, na Colômbia 7.000 e na Venezuela cerca de 1200.

O antropólogo Robin Wright estuda os Baniwa desde a década de 70, quando conviveu com o povo. Ele já publicou três livros sobre a história dos Baniwa, entre eles The history and religion of the Baniwa peoples of the upper Rio Negro Valley. Ele explica que os velhos são os responsáveis por passar a história da criação do mundo, durante os rituais de iniciação dos meninos entre 10 e 13 anos. Nesse ritual, três ou quatro velhos fazem o benzimento de uma tigela com pimenta e sal, No final, os condimentos são servidos com biju aos iniciados que passaram por um período de reclusão.
Durante o ritual de benzimento os idosos narram os mitos através de cantos. "Eles recriam o mundo através do pensamento, lembrando e contando os episódios e os mitos. Os velhos cantam sobre uma viagem mítica através da Terra, onde os homens perseguem as mulheres que roubaram a flauta sagrada. Nessa viagem eles passam por todos os cantos do mundo. São mais de 100 lugares, onde vão parando e benzendo para que, se os meninos passarem nesses lugares, não corram perigos. "É uma história muito antiga que vem sendo transmitida, com um cenário pré-colombiano", diz Robin Wright.

PAJÉS
Os sábios são pajés com alto nível de poder, que dominam os conhecimentos e são conhecidos como "Mestres do Povo Jaguar" ou "Jaguares do Paricá". Os pajés fazem uso do paricá que tem efeitos psicoativos. O paricá é um pó para ser inalado, feito de sementes da árvore Piptadenia. "Mas somente os pajés mais velhos conseguem misturar o paricá com o caapí, que tem tanto poder", diz o antropólogo Robin Wright. O caapí é uma bebida conhecida como ayhauasca ou Santo Daime e que também tem efeitos psicoativos.
Atualmente não existe mais nenhum profeta, mas o povo ainda reverencia o túmulo dos grandes sábios. O último profeta morreu na década de 70. A existência dos pajés ficou comprometida com a chegada de missionários evangélicos e católicos nas décadas de 50 e 60. Hoje cerca de 70% da população é convertida ao protestantismo e 30% ao catolicismo.
Segundo Wright, alguns rituais Baniwa ainda acontecem entre os católicos, como os de iniciação, mas entre os protestantes os rituais xamânicos eram escondidos. "Antes os protestantes eram fundamentalistas e diziam que os pajés eram coisa do diabo, mas hoje alguns jovens procuram os pajés para se curar e tentam resgatar a cultura, procurando saber com os mais velhos como era antigamente. E os poucos velhos que conhecem as histórias são fontes importantes para este resgate".
http://www.comciencia.br/dossies-1-72/reportagens/envelhecimento/texto/env06.htm Acesso em 21 de agosto de 2018, às 19hs38
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